A minha participação no 14º Ep. Podcast “As Crianças Importam” do Jornal Expresso sobre as crianças migrantes e refugiadas e a pandemia

O 14º episódio do Podcast “As Crianças Importam” do Jornal Expresso abordou o tema das crianças migrantes e refugiadas e o impacto que a pandemia da Covid-19 teve impacto na gestão dos fluxos migratórios. A propósito disto o Secretário-Geral das NU, António Guterres, referia que pandemia “desencadeou uma crise de direitos das crianças, que afetou particularmente as crianças migrantes”, apelando para que seja aproveitada a “oportunidade de reimaginar um futuro melhor para todas as crianças, com acesso a cuidados de saúde e educação”. 

A este propósito gostaria de referir dois acontecimentos que marcaram a politica migratória e asilo da UE, mais concretamente, na tentativa de proteção dos direitos das crianças migrantes e refugiadas.

Todos temos presente na nossa memória a história triste do menino sírio, Aylan Kurdi, em 2015 que se afogou no mar Egeu, durante uma tentativa de fugir da guerra civil na Síria, tendo o seu corpo sido encontrado numa praia na Turquia. A imagem chocou o mundo e envergonhou os países da União Europeia (UE) que prometeram tudo fazer para que tal situação não voltasse a ocorrer em solo europeu. 

Infelizmente, a história repetiu-se uma vez mais, em setembro de 2020, com um incêndio de grandes proporções, no maior campo de refugiados da Europa, o de Mória, na Ilha grega de Lesbos. O incêndio atingiu cerca de 13 mil migrantes, entre eles, mais de 4 mil crianças, 400 delas, menores desacompanhadas, sem acesso a acomodação adequada, alimentação e/ou serviços básicos como à saúde e ao ensino.

Depois deste incêndio, ficou evidente que o sistema de gestão de migração e asilo na União Europeia não funcionava, situação que já se tinha verificado desde a grande crise migratória de 2015, e nessa medida a CE apresentou, em setembro de 2020, um novo Pacto para as Migrações e Asilo, prevendo procedimentos mais rápidos e eficazes, exigindo uma melhor partilha de responsabilidades entre os países membros da UE. O Pacto inclui várias propostas legislativas e não legislativas, mas passado um ano, as grandes diferenças em termos de política migratória que se registam entre os Estados-membros da UE não têm permitido grandes progressos nas discussões.

No entanto, é importante sublinhar que o novo Pacto identifica as “necessidades das crianças como uma prioridade”, reconhecendo que “a reforma da UE sobre migração e asilo é uma oportunidade para reforçar os procedimentos de proteção das crianças migrantes”. Entre outras coisas, coloca o princípio interesse superior da criança, como uma consideração primordial em todas as decisões relativas às crianças migrantes, a par do seu direito a serem ouvidas. Este princípio deverá, portanto, ser incorporado em todas as fases pelas quais a criança passa, começando pela sua identificação num posto de fronteira ou em território nacional, passando pelo seu acolhimento, pelo processo de determinação da sua idade, ou pelo procedimento de asilo propriamente dito. A realização deste princípio permite assegurar à criança o acesso efetivo aos seus direitos. 

O novo Pacto prevê ainda medidas, como, por exemplo, que as crianças não acompanhadas e as famílias com crianças menores de 12 anos passem a ficar  isentas do procedimento de triagem obrigatório no posto de fronteira; que passe a haver alternativas eficazes à detenção de crianças e suas famílias; o estabelecimento de regras relativas às provas exigidas para o reagrupamento familiar simplificado; que seja atempada a nomeação de tutores para as crianças não acompanhadas à chegada no posto de fronteira, prevendo neste âmbito o reforço da rede europeia de tutores; e que haja um reforço ao alojamento e assistência adequados, como também o acesso rápido e não discriminatório à educação e aos serviços de proteção. 

Atualmente, a chegada de uma criança não acompanhada ou separada dos respetivos pais a um posto de fronteira da UE é um processo complexo e na maioria das vezes negativo, na medida em que implica a identificação, registo, acompanhamento e acolhimento das crianças não acompanhadas ou separadas, com um tempo de espera por vezes de meses ou mesmo anos. Formalmente, é aqui que as autoridades responsáveis pelo controlo dos postos de fronteiras têm a primeira oportunidade para identificar eventuais riscos, vulnerabilidades e necessidades especiais. Esta triagem ditará o futuro destas crianças que pode passar por um pedido de proteção internacional, pelo reagrupamento familiar num Estado-membro da UE, pelo regresso assistido ao país de origem, ou até pela sua sinalização enquanto vítima de tráfico.

Convém dizer que, contrariamente à vontade política dos líderes europeus, TJUE tem tomado posição sobre esta matéria e a jurisprudência recente do Tribunal já começa a produzir efeitos em matéria da salvaguarda do superior interesse das crianças 

A este propósito, gostaria de mencionar o Acórdão histórico do Tribunal de Justiça da UE (TJUE), de 14.01.2021 (Processo C-441/19 TQ vs Staatssecretariis van Justitie en Veiligheid) relativo à interpretação dos artigos 5º e 10º da Diretiva “Regresso” (2008/115/CE), no caso de um adolescente guineense de 15 anos não acompanhado, cujo pedido de proteção internacional havia sido rejeitado pela Holanda. O TJUE vem exigir, à luz do quadro jurídico da UE em vigor, que o princípio do superior interesse da criança seja aplicado, contrariando a decisão tomada pelas autoridades holandesas. As conclusões desta Decisão do TJUE terão certamente consequências na forma como os Estados-membros e os próprios juristas vão interpretar e operacionalizar aquele princípio noutros casos de pedidos de proteção internacional de crianças não acompanhadas. 

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